Recentemente, um famoso pregador provocou polêmica nas redes sociais ao defender, diante de milhares de pessoas, a deificação do homem. Citando referências bíblicas que pretensamente abonam tal doutrina triunfalista, ele ousou fazer a seguinte analogia: assim como filho de peixe peixinho é, osfilhos de Deus são pequenos deuses andando na terra. Neste artigo, examinarei exegeticamente as principais passagens usadas pelos pregadores pseudopentecostais — propagadores da Teologia da Prosperidade e da Confissão Positiva — em prol do pensamento herético de que filho de Deus deusinho é.
Antes de tudo, vale ressaltar que a pueril comparação mencionada é autodestrutível, haja vista o pregador ter ignorado um “pequeno detalhe”: somos filhos de Deus por adoção (Gl 4.4-5 e Jo 1.11-12). E, nesse caso — fazendo outra analogia bem simples —, assim como animais de estimação não se tornam humanos, ao serem adotados, é evidente que os filhos de Deus não são divinos. Na verdade, a única aplicação cabível a ambas as comparações citadas é a de que, assim como os animais de estimação, os filhos de Deus estão sob os cuidados do Dono (At 9.15 e Jo 10.27,28).
Como o Senhor Jesus, ao dizer “sois deuses”, em João 10.34-36, fez referência ao Salmo 82, é necessário examiná-lo antes de qualquer conclusão sobre a suposta deificação humana. Entretanto, o fato de Ele não ter se dirigido, ali, aos seus discípulos já é uma clara refutação indireta à doutrina triunfalista em análise. Afinal, em todo o Novo Testamento não há um texto sequer em que os servos do Senhor são chamados de deuses. Em João 10.35, Jesus se dirigiu — de modo inquestionavelmente irônico — aos judeus que queriam apedrejá-lo em razão de Ele ter dito que era o Filho de Deus. Como eles o acusavam de blasfêmia, o Senhor lhes fez uma pergunta baseada em Salmos 82.6, a fim de convencê-los de que estavam equivocados. “Se este escritor inspirado [Asafe] pode chamar pessoas de ‘deuses’, por que Jesus não pode usar a palavra para se referir a si mesmo, visto que Ele é quem Deus ‘santificou’ (i.e. separou) para sua missão salvadora e ‘enviou ao mundo?’” (ARRINGTON; STRONSTAD, p. 561).
Antes de dizer aos magistrados judeus — de modo igualmente irônico — “sois deuses” (Sl 82.6), Asafe lançou-lhes em rosto a sua injustiça (v1-5). E a prova de que ele usou de ironia está no versículo 7, o qual mostra o fim daquela congregação de poderosos que se consideravam deuses: “Todavia, como homens morrereis e caireis como qualquer dos príncipes”. “Asaph uses this honorific term sarcastically to express his contempt for the evil judges [Asafe usa este termo honorífico sarcasticamente para expressar seu desprezo aos juízes maus]” (RADMACHER et al., p. 395). Ademais, se, ao citar a passagem em apreço, o Senhor tivesse afirmado que somos deuses, isso se oporia ao fato de que há um único Deus (Is 43.10 e 44.6) e demonstraria que o Diabo estava certo quando tentou Eva: “sereis como Deus” (Gn 3.5).
De modo geral, o Salmo 82 apresenta Deus “sentenciando os juízes que, apesar da obrigação de defender os fracos, cobriam-se de parcialidade em favor dos ímpios. Numa linguagem clara o suficiente para não permitir mal-entendidos, ele ridiculariza os juízes humanos que tiveram a audácia de pensar que eram deuses. Em outras palavras, a mensagem de Deus é esta: ‘Então vocês pensam que são deuses, não é? Bem, a sepultura provará que são meros homens! Quando vocês morrerem, saberão para sempre a diferença entre eu mesmo e o mais poderoso dos mortais” (HANEGRAAFF, p. 121).
Os triunfalistas usam 2Pedro 1.4 de modo isolado para afirmar que somos participantes da natureza divina em toda a sua plenitude. Kenneth Hagin (1917-2003) — um “mestre da Fé” muito respeitado no meio pseudopentecostal — foi o maior defensor da ideia de que os crentes são deuses ou super-homens. Segundo ele, como a vida eterna é “Deus comunicando toda a sua natureza, substância e ser aos nossos espíritos”, o ser humano “encontra-se na mesma categoria de Deus”. Ou seja, assim como Jesus, ao se encarnar, tornou-se divino-humano, ao nascermos de novo tornamo-nos humanos-divinos! E mais: ao nascermos de Deus, tornamo-nos superiores ao nosso Salvador (!): “Nem o próprio Senhor Jesus tem uma posição melhor diante de Deus do que você e eu temos” (HAGIN, p. 10,15,55,79).
Mas, em 2Pedro 1.4, o apóstolo não afirmou que somos participantes de todos os atributos da deidade, e sim da natureza de Deus quanto aos seus atributos comunicáveis (v5-9; cf. Gl 5.22 e Cl 3.12,13). Como filhos de Deus por adoção, somos meros seres humanos. Não somos melhores do que ninguém, em nós mesmos, e continuamos sendo vasos de barro! A diferença entre nós e os não salvos é que agora temos um grande tesouro (2Co 4.7) e estamos sob a graça de Deus (Ef 2.8-10 e Tt 2.11). Portanto, quando “Kenneth Copeland proclama: ‘Você não tem um deus em seu interior, você é um deus’, e Benny Hinn pronuncia: ‘Eu sou um pequeno messias caminhando sobre a Terra’, só podemos concluir que estão ensinando uma inequívoca heresia” (HANEGRAAFF, p. 119).
O Diabo é o deus deste século (2Co 4.4); o dinheiro e o ego também podem ser deuses (1 Tm 6.10 e Jo 3.30), haja vista a avareza e a egolatria (Ef 5.5 e Lc 9.23). E assim por diante. Mesmo assim, os triunfalistas extraem o termo “Deus dos deuses” de Salmos 136.2 para defenderem a blasfema e contraditória deificação humana. Entretanto, como o Deus Todo-poderoso é o único com “d” maiúsculo, todos os outros deuses são seus inimigos. E é evidente que o título “Deus dos deuses” não denota que Ele é um Deus que comanda pequenos deuses, e sim que todos os deuses falsos têm de se curvar diante do único Deus soberano e verdadeiro (Jo 17.3 e Sl 95.3). O leitor percebeu como é perigoso alguém querem ser um deus?
Na chamada “teologia da Fé”, há uma perigosa relação de causa e efeito: ao difundirem a deificação do homem, os “mestres da Fé” inevitavelmente estão propagando outra heresia: o rebaixamento de Deus. Segundo eles, “o homem foi criado como uma duplicata exata de Deus, incluindo tamanho e formas. Deus é todo dimensionado por medidas humanas. [...] O Movimento da Fé não somente deifica o homem, mas também rebaixa Deus à condição de figura secundária marginal e na cauda da criação, da qual perdeu o controle, tendo de valer-se de ardis para reconquistar nela uma posição” (HANEGRAAFF, p. 58).
Não nos enganemos. O Senhor — que não dá a sua glória a ninguém (Is 42.8) — pergunta, em sua Palavra: “A quem me fareis semelhante, e com quem me igualareis, e me comparareis, para que sejamos semelhantes?” (Is 46.5). Portanto, nenhum de nós pode igualar-se ou sequer assemelhar-se a Deus.
Ciro Sanches Zibordi
(Artigo publicado no Mensageiro da Paz número 1.562, de julho/2015)
Referências
ARRINGTON, French L.; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
HAGIN, Kenneth E. Zoe: a própria vida de Deus. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 1999.
HANEGRAAFF, Hank. Cristianismo em Crise. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
RADMACHER, Earl et al. Compact Bible Commentary. Nashville, TN: Thomas Nelson, 2004.
Fonte CPAD NEWS
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