segunda-feira, 11 de junho de 2018

Sobre o músico cristão tocar em eventos mundanos


Deve o músico cristão tocar em eventos não cristãos? Com Jesus aprendemos que nem todas as perguntas merecem respostas objetivas. Às vezes, é importante fazer com que o interlocutor reflita e tome a decisão correta. Certa vez, seus oponentes perguntaram ao Mestre se era lícito pagar tributo a César (Mt 22.17). Ele podia ter dito simplesmente “sim”, mas preferiu, antes, apresentar-lhes duas perguntas para reflexão. E, ao ouvir deles a resposta de que a moeda do tributo fazia referência a César, lhes disse: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus” (vv. 18-21). Neste artigo, seguirei esse exemplo do Mestre, haja vista a complexidade da pergunta proposta.

Se partirmos do pressuposto de que os hinos de louvor a Deus são “música cristã”, e as composições seculares fazem parte do que chamamos de “música mundana”, a resposta à questão em apreço parecerá simples. Mas, o que define a música cristã e a música mundana? Se dissermos que toda música produzida por não crentes é mundana, teremos de admitir que não podemos aceitar nada que venha do mundo! Nesse caso, por uma questão de coerência, não poderíamos usufruir de nada produzido por pessoas não salvas.

Estamos no mundo e o que devemos fazer é não se contaminar com ele. Assim, a música que chamamos de mundana é aquela que nos põe efetivamente em contato direto com o pecado. E isso não se dá somente por meio do seu conteúdo; o estilo musical também, independentemente da letra, pode conduzir o salvo ao pecado, como eu explico em meu livro Erros que os Adoradores Devem Evitar (CPAD, 2010).

Por outro lado, nem sempre a música produzida por cristãos é, verdadeiramente, cristã. Pense nas composições antropocêntricas, as que glorificam o ser humano. Considere também as canções que até são bíblicas, mas em ritmo de funk, um estilo que está claramente, desde a sua origem, atrelado ao que se opõe à vontade de Deus. O funk dos morros cariocas e das comunidades paulistas, por exemplo, está relacionado com a promiscuidade. As danças, explicitamente, são simulações sexuais. Como pensar que isso pode ser purificado por letras cristãs e oferecido ao Senhor?

Ainda antes de responder à questão principal, faz-se necessário propor outras perguntas. Na igreja há inúmeros profissionais, de vários segmentos, como advogados, médicos, professores de História etc., e todos eles devem pautar suas condutas pela ética cristã. Um advogado cristão pode defender um pedófilo ou traficante de drogas? Um médico cristão pode fazer abortos? Um professor cristão pode doutrinar seus alunos, opondo-se às Escrituras, ao discorrer sobre a biografia de Karl Marx?

A resposta a todas as perguntas acima pode ser “sim”. No entanto, e se nós substituirmos o verbo “poder” por “dever”? Deve um cristão defender pedófilos ou traficantes? Deve ele fazer abortos? Deve doutrinar seus alunos, em vez de apenas apresentar-lhes lições de História à luz das melhores fontes? A resposta a essas questões deve ser “não”, já que ao servo do Senhor todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm, edificam ou enaltecem a Deus (1Co 10.22-33).

Bem, concentremo-nos na pergunta inicial: “Deve um músico cristão tocar em eventos não cristãos?” Há que se distinguir dois tipos de músico cristão. O primeiro é aquele que toca seu instrumento na igreja apenas e tão-somente para o louvor do Senhor, não dependendo da música para manter-se. O segundo é o músico profissional convertido a Cristo ou o que aprendeu a tocar na igreja e agora exerce essa profissão.

Pense em um cristão músico que trabalhe para uma agência de publicidade. Como empregado, ele deve atender às ordens de seu empregador. Estaria ele livre para compor todo e qualquer tipo de música? Digamos que seu patrão lhe incumba de fazer um jingle que incentive os foliões, por ocasião do carnaval, a participar de todo tipo de orgia, desde que usem preservativos!

Qualquer profissional que paute a sua vida pelas Escrituras e pela ética cristã entenderá que limites lhe são impostos. Ele chegará à conclusão, inclusive, de que perderá oportunidades, caso queira agradar ao Senhor. Lembremos do profeta Daniel. Embora ele trabalhasse no palácio babilônio, “assentou no seu coração não se contaminar com a porção do manjar do rei, nem com o vinho que ele bebia; portanto, pediu ao chefe dos eunucos que lhe concedesse não se contaminar” (Dn 1.8).

Vale a pena, para manter-se financeiramente, um músico cristão contaminar-se, tocando em casas de shows ou bares? Deve ele tocar para cantores mundanos ou fazer parte de suas bandas? A alegação de que se trata de um trabalho profissional, nesse caso, não é suficiente, pois algumas pessoas, por exemplo, veem a prostituição como uma profissão. Isso dá o direito a alguém de alegar que não peca contra o corpo, quando se relaciona sexualmente com alguém de modo “profissional”?

Bem, diante de toda a problematização que apresentei, quero responder, finalmente, à questão proposta inicialmente por meio de três assertivas:

1) Nada justifica a prática do pecado. O fato de precisarmos de dinheiro para nosso sustento e de nossa família não nos dá o direito de ignorar os princípios e mandamentos da Palavra de Deus. Não é vedado ao cristão ser um músico profissional, mas isso não significa que ele deva valer-se disso para ganhar dinheiro a qualquer custo. Um músico cristão pode, perfeitamente, compor para cantores cristãos ou ser ele próprio um intérprete da música, cantando e tocando louvores a Deus nas igrejas e tendo seu trabalho reconhecido pelo povo de Deus.

2) A comunhão com Deus está acima de tudo. Um crente que toca na casa do Senhor e, depois, em bailes ou no carnaval, está se prendendo a um jugo desigual com os infiéis; e, portanto, peca contra Deus (2Co 6.14-18). Jesus ensinou, de modo figurado, que, se qualquer parte do nosso corpo prejudicasse a nossa comunhão com Deus, trazendo escândalo, deveria ser arrancada e jogada longe (Mt 5.29-30).

3) O crente não deve ser extremista. O princípio da razoabilidade leva-nos a considerar que o trabalho do músico cristão profissional não precisa ficar circunscrito à esfera eclesiástica. Se usarmos o bom senso, chegaremos à conclusão de que existem algumas atividades que não são incompatíveis com a vida cristã. Tocar em shows, em bares ou durante carnaval é, como vimos, uma conduta imprópria. Ainda que alguém alegue não estar pecando, objetivamente, é preciso considerar o fato de que devemos fugir do pecado e da aparência do pecado, examinando-se tudo, a fim de que somente o bem seja praticado (1Ts 5.21-22 e Hb 12.1,2).

Por outro lado, que tipo de pecado comete um músico cristão que faz parte de uma orquestra sinfônica ou toca em uma cerimônia de casamento? Pelo princípio da razoabilidade, nem toda música composta no meio secular é prejudicial à nossa comunhão com Deus, assim como nem toda música composta por cristãos é, de fato, cristocêntrica ou condizente com a Palavra de Deus. Nem todo ambiente é prejudicial à nossa comunhão com Deus. Há que se considerar o abismo enorme existente entre um concerto de música erudita e um baile carnavalesco!

Portanto, deve um músico cristão tocar em festas mundanas? A resposta, ante o exposto, é negativa. E, no caso dos músicos profissionais que se convertem a Cristo, devem eles deixar a sua profissão? A rigor, não. No entanto, devem se conduzir de acordo com a ética cristã e observar o que a Palavra de Deus diz em Filipenses 4.8: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”.

Ciro Sanches Zibordi
Texto publicado no Mensageiro da Paz de maio de 2018

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