sábado, 13 de outubro de 2018

Ditador da Coreia do Norte é bisneto de missionários, relatam historiadores

Em 15 de abril de 1912, mais ou menos na época em que o RMS Titanic afundou no fundo do oceano, um feliz acontecimento ocorreu na família de Kim Hyong-jik, uma humilde professora e missionária que trabalhava em regime de meio expediente. Em sua casa, não muito longe de Pyongyang, nasceu um filho. Seu nome de nascimento era Kim Seong-ju, mas ele alcançou a atenção mundial sob o nome de guerra que adotou na década de 1930 e depois por ser o fundador da Coreia do Norte. Seu nome se destacou como: Kim Il-sung.
Mesmo tendo acontecido um grande avivamento na Coreia do Norte em 1907, anos antes do domínio do império japonês sobre a Coreia, Kim Il-sung — avô do atual ditador Kim Jong-un — não conseguiu entender a complexidade do significado daquele evento que fazia parte da história de seu povo e veio a se tornar posteriormente um totalitarista.
Ainda em 1910, a tomada do poder pelo império japonês significou uma grande provação, não somente para os cristãos, mas para todos os coreanos. Sob o jugo do império, os coreanos sofreram um genocídio cultural, forçados a adotarem nomes estrangeiros e aprenderem a língua do ocupante. Homens foram convocados para o Exército Imperial e mulheres recrutadas como escravas sexuais.
O Imperador do Japão exigia ser idolatrado como um deus e em paralelo a toda esta opressão, o comunismo — outra ideologia importada que então competia pelas mentes
coreanas — surgia como uma “esperança” para o povo, mas o cristianismo também acabou fortalecendo a dissidência dos coreanos.
Segundo o historiador Timothy S. Lee, em seu livro “A Political Factor in the Rise of Protestantism in Korea: Protestantism and the 1919 March First Movement”, muitos dos homens e mulheres mais ativos na resistência antijaponesa, incluindo os líderes do Movimento de Independência de 1º de março de 1919, eram cristãos. Entre eles estava o pastor presbiteriano Gil Seon-ju, que - como muitos cristãos na Coreia — havia participado do Avivamento de Pyongyang doze anos antes.
Juventude turbulenta de Kim
Já o historiador russo Andrei Lankov — que hoje ensina na Universidade Kookmin, em Seul, Coreia do Sul — relata que Kim Il-sung passou sua juventude turbulenta como um idealista, que acabou (e quase contra sua vontade) sugado pela fria máquina burocrática de uma ditadura emergente. Ele sobreviveu e prosperou, mas foi gradualmente se transformando, deixando de ser um utópico apaixonado para se tornar um tirano brutal, possivelmente o pior da história coreana.
O fundador da nação que é hoje conhecida como a ditadura que mais tem massacrado e perseguido cristãos em todo o mundo nasceu dois anos depois que a Coreia do Norte havia se tornado uma colônia do Japão, como resultado da derrota na guerra.
“Na época de seu nascimento, o regime colonial japonês passava por seu estágio mais repressivo e brutal. O país estava sob ocupação militar, os coreanos não tinham voz em questões políticas e o único jornal em língua coreana era um publicado pela administração colonial”, explicou Lankov.
Pais missionários
Um dos fatos que talvez possa surpreender a muitos que acompanham a forte repressão ao cristianismo na Coreia do Norte é justamente que os pais deste homem que se tornaria o primeiro de uma dinastia de ditadores era filho de missionários.
“Os pais de Kim Il-sung eram ativistas cristãos e pertenciam à primeira geração de coreanos a receberem uma educação moderna de estilo ocidental”, contou Lankov.
“Historiadores da corte norte-coreanos embelezaram e reinventaram a história da família de Kim Il-sung, transformando seus pais em ‘líderes da resistência nacional’. Mas a verdade não é essa. Kim Il-sung nasceu em uma família moderadamente rica e trabalhadora cujos membros tinham envolvimento em atividades de resistência [contra aquele sistema colonial], mas eles não eram líderes de resistência, nem mesmo ativistas proeminentes”, acrescentou.
Nomeação
Em agosto de 1945, o exército soviético expulsou o Japão da Coréia e estabeleceu o controle sobre a metade norte da península. Logo depois, as autoridades soviéticas começaram a estabelecer as bases para um regime comunista ali. O regime se tornaria uma versão em miniatura da Rússia de Stalin e, como tal, precisava de um líder próprio.
“Depois de alguma hesitação, Kim Il-sung foi escolhido por Moscou como tal líder. Segundo algumas fontes, Kim Il-sung não estava ansioso para se envolver em política, mas aparentemente não tinha escolha. Ele foi mais ou menos ordenado a se tornar o ‘pequeno Stalin’ da Coreia do Norte”, contou Lankov.
Na primeira década de seu governo, Kim Il-sung dirigia um regime subordinado a Moscou. Isso não era o que ele realmente queria. Somente com a morte de Stalin, em 1953, ele conseguiu, por meio de habilidade e sorte, dirigir um curso independente entre Moscou e Pequim (ajudou os chineses e os soviéticos a entrar em conflito). Ele conseguiu habilmente ordenar as duas grandes potências para ajuda e apoio, enquanto não se apoiava em nenhuma delas. Mas Lankov aponta que tais vitórias foram justamente o que levaram Kim a derrotas.
“Uma vez no controle total da situação, Kim introduziria uma versão do comunismo que era consideravelmente mais restritiva que seu arquétipo soviético. Em essência, Kim Il-sung conseguiu sair do próprio formato de Stalin”, explicou.
“O nível de controle estatal foi verdadeiramente sem precedentes na história mundial, mas não se traduziu em sucesso econômico. Quando a península foi dividida, a Coreia do Norte estava bem à frente do sul. Por volta de 1970, o sul chegou primeiro e ultrapassou em muito o norte, mais uma vez desenvolvido. Na época da morte de Kim Il-sung, a renda per capita na Coréia do Norte era de 10% da do Sul — a maior diferença entre dois países que compartilham uma fronteira terrestre”, acrescentou.
Kim Il-sung morreu em sua residência palaciana no verão de 1994. Para garantir que seu legado fosse salvaguardado, ele tomou uma decisão sem precedentes, transformando seu país em uma monarquia absoluta.
Lankov aponta que apesar das tentativas, a Coreia do Norte continua sendo um símbolo de fracasso como modelo econômico e com respeito aos direitos humanos.
“Quaisquer que sejam suas intenções, seu meio século de governo foi um desastre sem precedentes. A economia mais desenvolvida do leste da Ásia continental estava arruinada, milhões de pessoas morreriam como resultado da guerra e algumas centenas de milhares seriam vítimas de repressão política”, explicou. “Infelizmente, muitos dos tiranos começaram como revolucionários e patriotas, muitos deles acreditavam que eram assim até a sua própria morte”.

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