Recentemente, dois vídeos ligados a falsas profecias “viralizaram” nas redes sociais. Num deles, um milagreiro — que diz ter visitado mais países do que os reconhecidos pela ONU — resolveu revelar a cinco irmãos, em um culto, os números de uma famosa loteria. Disse ele: “O Senhor falou para mim que tem cinco pessoas que vão se tornar milionárias, pois vão acertar na Mega-Sena. Cinco irmãos que jogam na Mega-Sena levantem a mão. Não tenham medo; não tenham vergonha”. E, por incrível que possa parecer, eles se manifestaram! O “profeta”, então, lhes disse: “Anote aí: 7, 8, 3, 4, 2, 0. Se anotou, recebeu a bênção”. E o povo o aplaudiu.
No segundo vídeo, um famoso “apóstolo” — que costuma desafiar e amaldiçoar pessoas que se lhe opõem — profetizou a um candidato a vereador: “Está selado; eu ligo na terra. Se a boca de Deus fala por mim, amanhã por essas horas você vai estar cantando o hino da vitória. Ou Deus não fala por mim”. Resultado: o candidato não obteve nem cinco por cento dos votos que precisava para ser eleito! Este episódio e o anterior me fizeram lembrar de imediato do que está escrito em Deuteronômio 18.22: “Quando o tal profeta falar em nome do SENHOR, e tal palavra se não cumprir, nem suceder assim, esta é palavra que o SENHOR não falou; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele”.
De acordo com as Escrituras, os dons do Espírito Santo jamais contrariam a Palavra de Deus, a qual nos orienta a ganhar dinheiro trabalhando, e não por meio de jogos de azar (cf. Gn 3.19). Ademais, Deus não incentiva ninguém a querer ser um milionário (1Tm 6.9-10). Ressalte-se, ainda, que o “profeta” do primeiro vídeo sequer sabia do que estava falando, pois demonstrou total ignorância quanto ao tipo de loteria mencionada, fomentando ainda mais a zombaria por parte dos inimigos da fé evangélica. Tanto o primeiro vídeo como o segundo, igualmente grotescos, nos levam a meditar a respeito do que é a profecia e suas finalidades, à luz da Palavra de Deus.
Como pentecostais, cremos nos dons do Espírito, mas também sabemos que a verdadeira profecia, proveniente de Deus, de fato, é apresentada quando um servo seu, fiel à sua Palavra, transmite uma mensagem específica por meio da inspiração direta do Espírito Santo (1Co 14.30 e 2Pe 1.21). Trata-se de uma manifestação sobrenatural, cuja função precípua é a edificação das igrejas (1Co 14.3-4). Sendo proveniente de Deus, uma profecia é coerente e lógica, e não esdrúxula e contraditória.
Nos tempos do Antigo Testamento, os profetas eram intermediários entre o Senhor e os seus servos. Estes consultavam aqueles e recebiam sua mensagem sem questionamento, como se fora da parte de Deus (1Sm 3.20; 8.21-22 e 9.6-20). Esse tipo de ministério durou até João Batista (Lc 16.16). Na Igreja, o profeta não é uma espécie de mediador, pois temos a Bíblia completa e podemos consultar a Deus diretamente por meio do Senhor Jesus (1Tm 2.5; Ef 2.13; Hb 10.19-22; Gl 6.16 e Fp 4.6). Há um ministério profético hoje — que é diferente do ministério veterotestamentário — e também o dom de profecia, mas ambos devem ser julgados segundo os critérios prescritos na Palavra de Deus (At 19.6; 21.9 e 1Co 14.29).
O ministro de Deus que profetiza ao pregar a Palavra do Senhor (1Co 12.28) é diferente de quem entrega uma profecia esporadicamente em um culto (v.10), embora ambos sejam chamados de profetas nas páginas neotestamentárias (At 21.8-10). O dom de profecia pode ser concedido a qualquer pessoa que o busca (1Co 14.1,5,24,31), enquanto o ministério profético depende de chamada divina (Mc 3.13 e Ef 4.11). Quanto ao uso, o dom de profecia decorre de uma inspiração momentânea, sobrenatural; já o ministério profético é residente e está relacionado com a pregação da Palavra de Deus (At 11.27-28; 13.1 e 15.32).
Quais são as finalidades da profecia nas igrejas? Edificação, exortação e consolação (1Co 14.3,4,12,17). Ela edifica: a Igreja é comparada a um edifício; o Senhor Jesus é o seu fundamento (1Co 3.10-14; Ef 2.22; 1Pe 2.5), e a profecia é um dos meios pelos quais os salvos são edificados. Ela também exorta: incentiva e desperta o crente, fortalecendo-o na fé. E ela consola: o Senhor se utiliza dela para confortar o crente com palavras semelhantes às de Deuteronômio 31.8; Isaías 41.10 e 45.1-3.
É, portanto, prática antibíblica consultar profetas em nossos dias, pedindo-lhes direção quanto a casamentos, viagens, negócios etc. (1Co 14.13,26,28). O dom de profecia não tem autoridade canônica; não se manifesta para alterar ou contradizer o que está escrito na Bíblia Sagrada (1Tm 4.9; Sl 119.142,160; Ap 22.18-19 e Pv 30.6). Ele não é prioritário para o governo das igrejas. Suas finalidades, como vimos, são: edificar, exortar e consolar. O Espírito orienta as igrejas por meio dos dons espirituais (At 13.1-3 e 16.6-10), mas os ministros de Deus não devem se subordinar a “profetas” e “profetisas” (Ap 2.20-22; At 11.28-30 e 15.14-30).
Por outro lado, por que vemos poucas manifestações genuínas do dom de profecia em nossos dias? Isso ocorre por causa da ignorância, pois pouco se fala nas igrejas acerca desse dom, como ocorria em Éfeso (At 19.2-3). Coisas supérfluas têm ocupado o lugar que devia ser destinado à manifestação do Espírito no culto (cf. 1Co 14.26). Em muitos lugares não tem havido lugar para o Espírito operar (1Ts 5.19). Líderes há que, alegando preocupação com as “meninices”, desprezam as profecias (v.20), esquecendo-se de que é sua missão ensinar os “meninos” quanto ao uso correto desse dom (1Co 14.22-33; cf. 13.11).
Se os crentes fossem ensinados a julgar as profecias, haveria menos espaço para falsos profetas. Haveria menos “revelações” risíveis e bizarras nos cultos, como “Jeová me disse que está curando uma irmã de câncer na próstata” ou “o homem de branco está dando um útero novo para um irmão, nesta noite”. O povo de Deus, como Corpo de Cristo — que está em perfeita sintonia com a Cabeça (Ef 4.14-15; 1Co 2.16; 1Jo 2.20,27; Nm 9.15-22 e Jo 10.4,5,27) —, deve julgar a profecia por meio da Palavra de Deus (Jo 17.17; At 17.11 e Hb 5.12-14). E esta mostra que a verdadeira profecia se cumpre (Ez 33.33 e Jr 28.9), conquanto apenas isso não seja o suficiente para autenticá-la; o Senhor permite que, em alguns casos, predições de falsos profetas se cumpram, a fim de provar seu povo (Dt 13.1-4).
Diante do exposto, ainda que Deus nos tenha outorgado a sua Palavra (Sl 119.105) e nos presenteado com o dom de discernir os espíritos (1Co 12.10-11; At 13.6-11 e 16.1-18), profecias e revelações ilógicas, incoerentes ou bizarras, como as mencionadas nos primeiros parágrafos deste texto, podem ser detectadas sem nenhuma dificuldade. Como vimos, basta conhecer um pouco da vida de certos “profetas” ou simplesmente usar de bom senso para julgar as suas “revelações” segundo a reta justiça (Jo 7.24).
Ciro Sanches Zibordi
Artigo publicado no jornal Mensageiro da Paz, Ano 86, número 1.579, dezembro/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário